10.23.2006

O gajo de Kerpen

Domingos Piedade, há uns anos, escreveu a partir do seu privilegiado posto de observação (Afalterbach, perto de Estugarda, sede da AMG-Mercedes) que o típico fã alemão de Michael Schumacher era um tipo parecido com o fanã português, assim gordito, de bigode, meio grunho e tal. Ainda que esse mesmo piloto fosse o companheiro de corridas dos seus próprios filhos...

Cruzei-me com ele numa das duas gloriosas e irrepetíveis visitas ao Paddock do Grande Prémio do Estoril em 1993 e 1994. No primeiro ano, último dos 4 campeonatos de Alain Prost, conquistado ali mesmo, foi Michael o vencedor. Tirei-lhe uma foto mesmo de frente, a caminho da sua box antes da corrida, momentos antes de ter apanhado, num registo fantástico, Ayrton Senna, fully focused como sempre.

Acompanho a Formula 1 com regularidade e memória descritiva desde 1984 (pronto, também me lembro do acidente de Gilles Villeneuve e do Brabham/BMW Parmalat de Nelson Piquet...) e apenas tenho a dizer que se não se tratasse da Ferrari, a F1 não teria sobrevivido ao longo reinado de Schumacher na F1, sem paralelo na sua história. Ninguém dominou os acontecimentos com tamanha superioridade como ele, especialmente a partir de 2000, quando colocou e motivou a Ferrari a ganhar corridas.

É certo que a conjuntura ajudou: a falta de um desafiador (ou vários, como quando tivémos Senna, Prost, Mansell, Piquet e Alesi juntos e ao mesmo tempo a correr) após a saída de Hakkinen, os erros da oposição vs. a expertise da estrutura Ferrari e o estatuto de que sempre gozou de primeiro e incontestado piloto (que partilhou com Prost e Senna).

Mas não é menos verdade que se tratou do piloto que mais tareia deu em todos os seus companheiros de equipa, donde contámos vedetas como Piquet, Brundle, Letho, Irvine e Barrichello; ou seja, tudo menos maçaricos.
Assim, terminou a carreira ontem em Interlagos, no meio de um profundo azar, com o mesmo número de vitórias que Prost e Senna alcançaram...juntos!
Palavras para quê? Retira-se um grande campeão.

Aquele que:

- Sempre foi o maior entre os maiores, o mais rápido de todos, a ultrapassar os retardatários a a entrar e saír das boxes;
- Mais espectáculo deu em Suzuka e Spa, os dois últimos santuários da condução, onde ainda não deixaram Herrman Tilke mexer...
- Ainda assim não dava quaisquer hipóteses sempre que pegava num kart e voltava às suas origens.

Ficam no entanto alguns dos pontos negativos, aqueles que somados implicam que a história não faça dele o maior de todos:

- O final do campeonato de 1994, contra Damon Hill (embora este tenha sido um pouco otário...) e a forma abrutalhada como o venceu;
- A história profundamente injusta das comemorações no pódio de Imola, desconhecendo o real estado do malogrado Ayrton;
- O final de campeonato em 1997 contra Villeneuve filho, em que foi justa e implacavelmente castigado (desapareceu da classificação desse ano);
- Um acidente à chuva em Spa (1997 ou 98) contra Coulthard, em que pese embora o seu erro ao abalroar o escocês, ainda lhe quis atestar a marmita na boxe;
- O estacionamento abusivo no Mónaco este ano, com o intuito de prejudicar a volta lançada de Alonso;
- Uma certa falta de à-vontade quando colocado em grande pressão.

O futuro pós-Schumacher:

Parece-me claramente risonho.
Vislumbro um grande equlíbrio de talento e rapidez em 2007 e seguintes entre Alonso (Mclaren), Raikkonen, Massa (a dupla da Ferrari) e Button (Honda).
E um naipe de jovens lobos, como Nico Rosberg (Williams-Toyota), Heiki Kovalainen (Renault), Kubica (BMW) e um tal de Sebastian Vettel que tem sido sistematicamente o mais rápido nos treinos abertos de sexta-feira com o BMW, apesar dos seus 19 anos... Fica ainda a dúvida para Lewis Hamilton, que mereceu a confiança do eternamente céptico Ron Dennis para 2007 como aguadeiro do menino birrento Nandito Alonso.

Assim sendo, e apenas em casa por ser SportTV, aguardemos o Mundial de 2007, esperando ardentemente que alterem a porra da aerodinâmica e dos pneus para que possamos ter mais ultrapassagens fora das boxes... E que Paulo Solipa NÃO SEJA o comentador das corridas no novo canal!

Último reparo para a triste despedida da RTP como broadcaster da F1 entre nós: uma espécie de telejornal especial, com os fulanos no estúdio, cortando precioso tempo de transmissão do que se passava no terreno. Se era para isso, começassem a emissão com antecedência. Triste final para uma estação que sistematicamente desrespeitou os adeptos e a sua inteligência ao longo de tantos anos, apesar dos constantes protestos da malta!

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